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Direito Eleitoral e Comunicação Institucional: o que ainda falta para a mulher ocupar o lugar que é dela na política?

Falar da presença feminina na política é, ainda hoje, falar de resistência. É também lembrar que, apesar dos avanços nas leis e nas campanhas, as mulheres ainda enfrentam um caminho cheio de obstáculos — estruturais, culturais e, muitas vezes, silenciosos.

De uns anos para cá, a gente viu mudanças importantes na legislação eleitoral. Teve o fortalecimento da cota mínima de 30% para as candidaturas femininas, a garantia de verba do Fundo Eleitoral e tempo de TV, e, mais recentemente, a criminalização da violência política de gênero com a Lei nº 14.192/2021. Tudo isso foi (e é) fundamental. Mas a gente sabe que a lei sozinha não resolve. Se o ambiente político continua hostil, machista e excludente, a mulher entra no jogo perdendo de largada.

É aí que entra um ponto que, para mim, ainda é subestimado: a comunicação institucional voltada para mulheres na política.

O que mudou com as leis eleitorais?

A gente precisa reconhecer: os avanços legais trouxeram oxigênio pra muita candidatura feminina que, até pouco tempo atrás, mal tinha estrutura pra existir. A decisão do STF, em 2018, que garantiu 30% dos recursos do fundo eleitoral e do tempo de propaganda para as mulheres foi um marco. Saiu da teoria e começou a impactar na prática.

Mas não adianta garantir dinheiro se ele não chega de fato. Não adianta ter cota se o partido preenche com candidatura fictícia. E, acima de tudo, não adianta eleger mais mulheres se elas continuam sendo atacadas, silenciadas ou tratadas como figurantes dentro dos próprios espaços de poder.

Camila Valadão, firme. Deputado do PL é condenado por violência política de gênero.

Violência política de gênero: o desafio ainda vivo

A criação de uma lei para combater a violência política contra mulheres foi uma vitória. Mas como quase tudo no Brasil, a gente conquista com luta e depois tem que ficar de olho para não perder. Porque os ataques continuam — às vezes escancarados, às vezes disfarçados de “crítica técnica”, de “opinião”, ou daquele clássico “ela não tem experiência”. A real é que tem muita gente que ainda não engole mulher no centro da decisão. E a gente precisa falar disso com coragem — e com estrutura também.

No Espírito Santo, não faltam exemplos de como essa violência atravessa espectros ideológicos. A deputada estadual Camila Valadão (PSOL), por exemplo, foi eleita em 2022 com a maior votação que uma mulher já teve na história da Assembleia Legislativa do estado. E mesmo assim foi alvo de ataques pesadíssimos. Quando ainda era vereadora, foi chamada de “satanista” e “assassina de crianças” pelo então vereador Gilvan da Federal, que hoje é deputado. Resultado? Ele foi condenado por violência política de gênero. É grave — e é real.

A vereadora Karla Coser (PT) também passou por isso. Durante uma sessão, ao defender uma pauta do Conselho da Mulher, ouviu que era “mimada” e que precisava de “mamadeira e chupeta”. Isso dito por um colega de plenário. Machismo puro, disfarçado de deboche. Tentativa clara de diminuir, infantilizar e deslegitimar a atuação dela.

E não para por aí. A violência política de gênero também bate na porta de mulheres que estão do outro lado do espectro ideológico. A Soraya Manato, por exemplo, foi eleita deputada federal pelo PSL em 2018, com uma linha conservadora bem marcada, e mesmo assim teve que enfrentar várias tentativas de desqualificação durante o mandato. Já a Raquel Lessa (PP), que tem trajetória forte no interior capixaba, também sentiu o peso do silenciamento. Às vezes não é grito nem ofensa direta — é corte de microfone, decisão tomada sem ouvir, reunião sem convite. É a violência que vem no modo silencioso.

Essas histórias mostram que o problema não é sobre ideologia — é sobre gênero. Ser mulher na política, no Brasil, ainda significa ter que provar o tempo todo que merece estar ali. Enquanto isso não mudar, a luta continua. Juntas, vigilantes e cada vez mais fortes.

Comunicação importa. E muito.

E quando falo de estrutura, não é só financeira. É simbólica, é narrativa, é institucional. A forma como a mulher é comunicada dentro da política impacta diretamente sua trajetória. Ainda hoje, quando uma mulher assume um cargo, o foco da manchete pode ser a roupa, o tom de voz ou a vida pessoal. Com homem isso raramente acontece.

Por isso, a comunicação institucional precisa ser estratégica:

​•​Mostrar que mulher tem trajetória, preparo e autoridade.

​•​Romper com o estereótipo de que só homem sabe governar.

​•​Valorizar exemplos reais de lideranças femininas fortes, de todos os partidos, regiões e histórias.

E, claro, tem que ocupar rede social com conteúdo educativo, com histórias inspiradoras, com informação de verdade — porque é nesse terreno que o senso comum se forma e a fake news se espalha.

Capacitar, formar, incentivar

Não basta mostrar que a mulher pode. A gente tem que criar meios para que ela queira, se veja capaz e sinta apoio real. Programas de formação, mentorias, espaços de escuta e fortalecimento de rede entre mulheres são ferramentas poderosas. O TSE já tem feito isso com campanhas como o “Mais Mulheres na Política”, mas essa agenda tem que ser assumida por partidos, governos, movimentos e sociedade civil como um todo.

Afinal, o que devemos esperar de mulheres na política? 

Ter mais mulheres na política não é “mimimi”, nem “agenda identitária”. É democracia funcionando de verdade. É garantir que as decisões representem a sociedade como ela é: diversa, plural e liderada também por mulheres.

As leis avançaram, mas o desafio agora é fazer com que essas garantias saiam do papel e virem prática. E a comunicação tem um papel central nisso. Contar outras histórias, criar referências, valorizar quem já está na luta.

O caminho ainda é longo, mas quando mulher ocupa espaço, o debate muda. E muda para melhor.


Gabriela Donato
Pós-graduanda em direito eleitoral e Pós graduanda em marketing político, com atuação em Direito Eleitoral e Constitucional.

Pesquisadora na área eleitoral e comunicação política.

Experiência na análise e comunicação de temas jurídicos e políticos, unindo conhecimento técnico e linguagem acessível para contribuir com o debate público e a compreensão do funcionamento do sistema eleitoral e das normas constitucionais no Brasil.

Instagram: gabrielabdonato_

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